Princípios do Nada – Ou Coisa Parecida ~ por Thiago Loriggio http://oucoisaparecida.com.br Sun, 30 Jun 2019 22:35:24 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.8.24 http://oucoisaparecida.com.br/wp-content/uploads/2018/03/cropped-pencil-152-224734-32x32.png Princípios do Nada – Ou Coisa Parecida ~ por Thiago Loriggio http://oucoisaparecida.com.br 32 32 Princípios do Nada http://oucoisaparecida.com.br/principios-do-nada/ http://oucoisaparecida.com.br/principios-do-nada/#respond Wed, 04 Jul 2018 18:51:20 +0000 http://oucoisaparecida.com.br/?p=288 leia mais]]> O meu segundo livro, o Princípios do Nada, finalmente começou a ser publicado! Estou colocando ele aos poucos no Wattpad e no Sweek, três cenas por semana (eu divido o livro em capítulos grandes, que são divididos em cenas menores, me deixa). É uma história cujo título provisório já foi “livro sobre magia e magos que nunca usa as palavras magia, magos, feitiço e todas as variantes”. Esse título soa tão bom pra mim que meio que prova que eu tenho um péssimo senso de marketing. Para saber mais, dá uma olhada aqui!


Falando um pouco do livro em si, o Princípios foi o segundo livro que escrevi a sério (ou seja, que não abandonei no meio, ou terminei sem revisar, enfim).

A experiência foi bem diferente porque, diferente do Crônicas do Zelador, eu não fiquei um tempo pensando na história, bolando partes do mundo, e escrevendo pedaços no caderno antes de realmente sentar e escrever o livro de uma vez só. O Princípios eu sentei na noite de primeiro de agosto de 2014, peguei uma cena meio imaginada que eu fiquei na cabeça depois de ir numa livraria e escrevi. Mil palavras por dia, uns sete meses. Sem planejamento, desenvolvendo o mundo e os conceitos à medida que eles surgiam.

A primeira versão era uma bagunça, e precisou de uma edição pesada pra ficar legível (a primeira cena, essa da livraria, nem entrou no livro). Mas ainda gosto de como eu encaixei algumas coisas no final. Essa sensação, de estar escrevendo algo por intuição e do nada perceber que nossa na verdade isso aqui faz todo o sentido  é bizarro, sublime, inigualável. Dá vontade de nunca parar de escrever.

Escrever (e principalmente editar e revisar) esse livro foi um grande aprendizado, principalmente pra perceber as vantagens e limitações desse método maluco de escrever sem planejar as coisas.

Mas eu acho que estou satisfeito com como saiu tudo. Agora vamos ver se a minha estratégia pouco ortodoxa de publicação dá certo…

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Nomes (Princípios do Nada) http://oucoisaparecida.com.br/nomes-pdn/ http://oucoisaparecida.com.br/nomes-pdn/#respond Mon, 19 Mar 2018 18:01:18 +0000 http://oucoisaparecida.com.br/?p=122 leia mais]]>

Quando o professor de história começou com seu papo de sempre, ela deixou a sala, o usual medo de não conseguir se segurar. Sentou-se no banheiro por uns minutos, lendo o pequeno livro que Tina dera a ela (como sentia falta dela), suspirando e pensando em algo sagaz para escrever na terrivelmente chata e lisa parede do box. As garotas daquela escola eram comportadas demais para o gosto dela. Dóceis demais. Aquelas duas do grupinho até que pareciam legais, mas no final acabariam sendo duas chatas que nem o resto. Alesia sabia. Deu algumas voltas na frente do espelho, arrumou o lápis de olho e saltou de alívio quando a sineta anunciou a chegada do recreio.

Recreio. Sentia-se de novo com oito anos. Naquela cidade ninguém chamava de intervalo, a denominação correta e crescida para a pausa entre aulas, mas quando ela reclamara o máximo que alguém lhe dissera foi “você liga demais pra isso”. Art, o alto, que falou. Ela sentiu ele se arrependendo da franqueza um segundo depois, mas não se aproveitou disso. Desviou os olhos e fechou a cara, como era seu costume naqueles dias. Se o universo quisesse fechar a cara para ela, ela também fecharia a cara a ele. Era o mais justo.

Saiu do banheiro logo quando as primeiras meninas entraram, comentando alguma coisa sobre garotos que ela não conhecia. Uma garota alta e bonita, cabelo negro escuro, parecia tentar convencer outra, menor, de óculos, ruiva como o pôr do sol (essa era boa; Alesia fez uma nota de colocá-la em seus próximos versos), a falar com um tal garoto de óculos. Três garotas falavam de Von, aparentemente, uma delas terrivelmente enfática em chamá-lo de babaca. Alesia saiu tentada a concordar. Era o tipo que, depois de um tempo, se mostraria um babaca. O cabelo escuro, o meio sorriso e aquela jaqueta velha que ele insistia em usar sempre que saíam da aula não enganavam ela. Devia ser tão egoísta e canalha como todos os adolescentes idiotas que circundavam a escola.

O grupinho costumava se encontrar no quarto andar, na sacada que poucas pessoas frequentavam. A parte de baixo era muito movimentada, diziam eles, e só iam para lá quando precisavam conversar com alguém específico ou pôr em prática um de seus incrivelmente mal planejados “esquemas por uma vida mais interessante”, como chamava o esquisito, Seh. Alesia duvidava da maioria dos contos de sucesso dos tais planos, mas tinha que admitir que as histórias eram boas. O pensamento era maldoso demais até para ela, mesmo naquela época, mas queria ver um desses planos em ação, só para vê-lo falhar. Sentia um misto de vergonha e excitação quando pensava nisso.

Subiu as escadas em espiral, olhos altos e orgulhosos, cara ainda levemente fechada, fazendo os olhos dos garotos tontos do oitavo ano irem ao chão. Passou pela lanchonete de terceiro andar, lembrando-se do incrível relato de quando o grupo conseguiu que a mulher do lanche mudasse o cardápio de salsicha para palitos de frango, depois de convencê-la que a maior parte dos alunos era judeu. Alesia não acreditou de início, mas enquanto passava ouviu a mesma mulher pedindo sugestões de comida kosher para um garoto especialmente narigudo.
O sol batia forte e terrivelmente entediante, esquentando as mesas de pedra até o ponto em que elas pareciam soltar fumaça. Em uma ou duas horas quem sabe realmente soltassem. Percebeu que não tinha visto muitos do grupo na sala. Era o primeiro dia depois das férias de inverno, afinal. Isso explicava muito de seu mau-humor. Não foram férias fáceis.

A sacada do quarto andar era um grande pátio quadrado, protegido por corrimões altos e cercados que subiam até dois metros de altura, com algumas mesas de pedra. Antigamente, contaram a ela, o lugar ficava exposto ao sol, e por isso era muito pouco popular. O pátio de baixo era maior, tinha uma lanchonete mais próxima e sempre fora coberto, além de ser amplo o suficiente para permitir um bom jogo de pique-esconde. No começo do ano, logo antes de Alesia ir para aquela cidade maldita, haviam instalado um grande toldo que cobria metade do pátio de cima, mas nenhum aluno pareceu perceber direito. Só o grupinho notou de imediato, e fez daquela sua base de operações. Naquele dia, entretanto, Alesia não viu ninguém depois de subir. Demorou um segundo para seus olhos se acostumarem com a luminosidade.

Encolhido no canto, uma perna esticada e a outra dobrada, Alesia viu um Von encolhido[Encolhido encolhido]. Apoiava a cabeça no punho e tinha os olhos fixos no chão, meditativo. Ele não deu sinal de tê-la visto, ou de dar a mínima, enquanto a garota caminhava e sentava-se ao seu lado. Você finge tão mal.

— Onde tão os outros? — disse Alesia, mordendo a maçã que deixara no bolso quando foi ao banheiro.

— Cella e Lena tão lá em baixo, comprando lanche. A Cella ainda tá meio irritada com o esquema da salsicha do semestre passado, ela realmente gostava da salsicha da lanchonete de cima. — Von sorriu, os olhos ainda fixos no azulejo. — Então acho que elas vão demorar. O Seh fala que no início do semestre rola mais procura por lanches, já que ninguém enjoou ainda. Todo mundo pareceu estar indo lá pra baixo.

— E os meninos? – Alie sentia-se meio idiota por se referir a eles assim, mas era essa a gíria da cidade. Era aprender ou ser sacaneada pelo resto da vida, e, num esforço mínimo para manter sua sanidade, cedeu.

— O Trevor ainda tá viajando com os pais. Só volta quarta. O Seh disse que ia ver as caras novas, então ele saiu por aí sozinho, que nem ele sempre faz. O Art acordou doente.

Alesia vestiu seu melhor sorriso zombeteiro.

— Como você sabe? Ligou pra ele no intervalo?

— É. — Von lutou contra o rubor, mas ele veio mesmo assim. Continuou com os olhos fixos no azulejo, orgulhoso. Alesia sentiu-se por um momento vitoriosa, mas não demorou a perceber que estava só arranjando um jeito muito idiota de se achar melhor que ele. Quase pediu desculpas, mas não era uma manhã fácil de engolir o orgulho. Se preocupar tanto com um amigo era até meio nobre. Ela não queria admitir, mas admirava o quão unido era o grupo. Era ainda mais difícil admitir que queria fazer parte dele.

— A Helena e a Marcella não gostam das coisinhas de frango que a mulher da cantina de cima faz? Eu acho elas bem boas…

— Quem?

Alie revirou os olhos.

— A Lena e a Cella. Caras, o que vocês têm com esses apelidos?

— A Lena é tão pequenininha, é difícil chamar ela de um nome grande, imponente como Helena. Ainda mais quando você conhece a menina desde que ela tinha tipo um metro e trinta de altura. Semana passada. — Ele riu baixinho, mas depois forçou-se a ficar sério. — Saco, preciso parar com isso. A Cella tava falando sobre como aquele fulano da sala do lado tava falando pro cara do xadrez que ela podia ser mais alta, e por isso…

— Olha, de novo — Alesia interrompeu. Não queria ouvir sobre meios romances e sabe-se lá o que. — A Marcella é alta, aposto meia maçã que ela inclusive já foi mais alta que você.

Von fechou a cara de leve, mas depois abriu um sorriso vitorioso.

— Foi. Não mais.

— Mas e aí? Qual a desculpa pra chamar ela de Cella?

Quando Alesia viu o grupo pela primeira vez, em um de seus momentos isolados no pátio, achou que Cella era aquele tipo de garota manipuladora, linda por fora, graciosa em seus sorrisos, terrível em pensamentos. Já vira aquilo antes. Um grupo de amigos comandado por uma só mente feminina, usando seus artifícios de sedução para conseguir o que quisesse. Mas ou Marcella era a melhor manipuladora que ela já conhecera, ou era uma menina extremamente doce. Mas não daquele jeito doce-irritante que ela conhecia, de um jeito genuíno e não exagerado, talvez até contido. Talvez Alesia gostasse um pouco dela. Um pouco.

— Ela não gosta muito do nome. Ou não gostava, uns anos atrás, e o apelido pegou. Acho que ela não acha muito feminino, não sei. Eu pessoalmente acho que Cella encaixa melhor.

— Claro. E o Art?

— Você já tentou ensinar o nome dele pra molecada de sete anos de idade? Não dá. Aí saiu Art, e ficou.

Alesia arregalou os olhos levemente.

— Eu não sei o seu nome.

— Von Wolfsberg. Austríaco, acho. Uns parentes meus aparentemente vieram pra cá depois da guerra, aí se estabeleceram, e hoje dizem que eu nem tenho traços, mas…

— Não cara — disse Alesia, terminando a maçã e arremessando os restos no lixo, errando miseravelmente. — Seu primeiro nome. Por que te chamam de Von?

Von pela primeira vez tirou os olhos do azulejo e encarou Alesia. Tinha os olhos ainda tensos com o pensamento, mas um tanto leves, talvez até serenos. Pensava tão profundamente que não percebia o olhar, ela soube. Normalmente ele não manteria contato visual direto com ela daquela forma, com aquela intensidade, por tanto tempo. Sentiu-se terrivelmente irritada quando teve que recuar primeiro.

— Ok, Alesia. Você talvez entenda.

— Entenda o que?

— Eu e o Seh temos uma teoria idiota.

— Bom, me conta e eu posso decidir se é mesmo idiota. — ela disse, sentindo um sorriso tímido sair dos lábios. Gostava daquele tipo de papo. Fazia-a sair de sua cabeça. Von sorriu abertamente antes de começar.

— Achamos que nomes são tipo dicas. Dicas de quem é importante.

— Como assim?

— Assim, as pessoas memoráveis têm nomes memoráveis. Entende? Tipo o Trevor, que você nem falou. O nome dele é marcante, apesar de ele se sentir meio idiota por ter um nome tão claramente estrangeiro. Mas por aqui é diferente. O Art mesmo nem se fala. Ele tem um nome totalmente único.

— Isso é bem idiota — disse Alesia, mas riu. — E quem não tem um nome marcante, tipo a Helena?

— Aí que tá a beleza. Se você não nasceu com um nome realmente legal, se você é um João da Silva, bom, você sempre pode sair dessa. Você pode arranjar um apelido legal, e virar tão memorável quanto qualquer um. A teoria não limita você ao nome que seus pais te deram. Se você quer ser alguém, crie um nome para si.

— Sei, entendi — ela disse rindo. — Tá, e aí? Por isso te chamam de Von? — Ela pensou um pouco. — Ok, é um nome legal.

— Não é? — O jovem encheu o peito. — É simples, imponente, austero, um toque de mistério estrangeiro, um som gutural…

— Você passou bastante tempo pensando nisso, né?

— Foi mais o Seh, uns anos atrás. Ele é bom nisso.

— Tá, mas sério, qual seu primeiro nome?

— É um nome comum. Um nome besta.

— Ah, qual é. Você sabe que eu posso só prestar atenção em quem levanta a mão na chamada e descobrir.

Von parou um segundo e pensou.

— Não hoje. A professora de matemática e a de português fazem chamada só por sobrenome. — Ele sorriu, triunfante.

— Uau, vou ter que esperar até amanhã? — ela disse, transformando os olhos numa linha de incredulidade. — Qual é, me conta, não muda nada. — ela disse, balançando-o pelo braço. Sentiu a reação nele imediatamente. Era assim que se lidava com garotos, não? Era fácil.

— Tá bom. Não ri.

— Não vou, é só um nome, e você já disse que era simples.

— Ok… — Ele inspirou profundamente. — Luís.

Alesia gargalhou pelo próximo minuto inteiro. Foi só expectativa, ela disse, mas isso não pareceu convencer o cada vez mais furioso Von. Depois de alguns minutos Seh apareceu, terrivelmente confuso, e depois Cella e Lena, e todos riram juntos. Von desistiu no final e juntou-se a eles. Depois, conversaram sobre alguma bobagem qualquer, e Seh teorizou que o novo garoto da outra sala era um psicopata.

Enquanto voltaram para a sala, nas organizadas filas que se formavam nos corredores, Alesia viu-se mais uma vez ao lado de Von, o barulho das dúzias de alunos dando privacidade às palavras deles.

— Von é realmente um nome bem único — ela disse.

— É. Mas eu conheço uns doze Luíses. E mais quinze Luisas. — Ele suspirou. — Essa menina loira daqui da frente chama Luisa. O diretor chama Luís. Eu posso continuar por algum tempo.

— Mas não precisa — ela sorriu —, já que não tem outro Von.

— Da mesma forma que só tem uma Alesia.

— Mentira, eu já conheci outra — ela disse, de bom humor demais para se irritar com o rubor que lhe subiu.

— Mas eu não.

— Mas eu já, e eu que conto!

— Ok, então você precisa de um apelido maneiro.

— Só por favor que não seja Alie.

Von sorriu seu sorriso sarcástico.

— Então Alie será — disse Von, fugindo do olhar fulminante com uma risada.


Abro a sessão de Extras da Edição de Colecionador com uma cena que foi escrita e não coube no livro, mas que eu ainda gosto (kill your darlings, como os gringos chamam). Nomes é quase como um pré-prólogo ao Princípios do Nada, um desses pedaços que surgem durante a escrita e acabam mais ajudando o autor a entender o que raios ele está escrevendo do que adicionam à história. Não tem nada a ver com o plot principal da história, mas ainda é um pedaço da vida desses personagens que acho que vale a pena ser lido.

Mas calma lá, diz o leitor astuto. Que livro é esse? Princípios do quem?

Pois é, o primeiro Extra é de um livro que nem saiu ainda… Um tanto excêntrico da minha parte? Talvez. Uma mostra da impaciência que me assola sobre começar a lançar esse livro? Certamente.

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